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Planos, Séries de Derrotas, e Petrosian Fala Sobre Xadrez
O IM Jeremy Silman abre a mala postal dos seus leitores.

Planos, Séries de Derrotas, e Petrosian Fala Sobre Xadrez

Silman
| 36 | Diversos

Bom, aqui estamos nós de novo, a responder às questões dos membros do Chess.com. Nós iremos começar com uma velha mas boa: planejamento.

FAZER UM PLANO

O membro do Chess.com @001GENERAL_GRIEVOUS perguntou, “Não é bom saber planejar?"

Silman: Eu mencionei isto noutros artigos, mas faço-o novamente uma vez que tantos jogadores estão confusos sobre isso. Nós iremos examinar a questão com uma partida parcial de @001GENERAL_GRIEVOUS.

Para responder à pergunta:

É claro que planejar é importante (de facto, isso é muito, muito importante). Mas ameaças ao acaso são frequentemente erradas (na tua partida, ambos os jogadores fizeram ameaças, mas não fizeram planos reais). Se tu não compreendes a posição e onde os peões e as peças estão, tu não podes dizer simplesmente, "eu acho que vou fazer um plano."

Se queres ser bom (ou boa), tu terás de saber o seguinte:

  • Compreender a estrutura de peões em primeiro lugar.
  • A colocação das tuas peças em segundo (em conjunção com a estrutura de peões).
  • O plano em último lugar.

O HORROR DE DERROTAS CONSECUTIVAS

O membro do Chess.com @chriskr asked, “Como é que os jogadores lidam com séries de derrotas consecutivas ?"

Silman: É diferente para todos.

Aqui estão algumas das coisas que as pessoas fazem quando têm uma série longa de derrotas (e jogar mal num torneio ou perder 10 partidas em blitz não é uma série de derrotas):

    • Algumas pessoas, com egos enormes, desistem de jogar.
    • Algumas pessoas, que têm falta de confiança, também desistem. 
    • Algumas pessoas pensam que são bons jogadores e pensam que uma série de derrotas é apenas má sorte.
    • Algumas pessoas, achando que "isto precisa de parar," estudam livros de xadrez (ou a Chessbase) para melhorar o seu jogo.
    • Alguns arranjam um treinador de xadrez. Se tu seguires este caminho, (e eu já disse isto antes) certifica-te que o teu treinador está de acordo com as tuas necessidades (xadrez e psicologia). Se não te sentires confortável com o teu treinador, livra-te dele e acha outro (e existem muitos treinadores neste mundo).
    • Alguns decidem que precisam de descansar por um par de meses. E, depois desses dois meses, muitos deles regressam mais fortes que nunca.
    • Alguns podem sorrir depois da 50ª derrota e pensar: "Cada derrota me ensina algo! Portanto venham elas!"

Como podes ver, todos os jogadores têm as suas maneiras próprias de lidar com uma série de derrotas. A minha pior foi longa e dolorosa, em que eu joguei como um idiota durante vários torneios.  Quando me apercebi que tinha de fazer alguma coisa, eu fui a um médico Chinês que era bem conhecido pela sua proficiência em acupuntura. Eu visitei-o várias vezes e depois fui jogar o Aberto dos EUA de 1982. Eu empatei em primeiro lugar.

PETROSIAN FALA!

O membro do Chess.com @Kamalakanta partilhou comigo simpaticamente uma entrevista interessante. O entrevistador era Viktor Khenkin, a pessoa sendo entrevistada era Tigran Petrosian, o ano era 1979, e era o 50º aniversário de Petrosian!

A pergunta de Viktor Khenkin:

Existe uma opinião largamente partilhada que os únicos jogadores que se mantêm competitivos durante muito tempo são aqueles que baseiam o seu jogo não no cálculo de variantes concretas mas na compreensão posicional. Resumindo, o seu jogo é baseado em considerações posicionais gerais. Este método permite a um jogador de gastar menos energia, e consequentemente de suportar melhor a tensão de uma partida de torneio. Isso é verdade?

Tigran Petrosian
Tigran Petrosian via Wikipedia.

Petrosian:

Eu não partilho desse ponto de vista. Compreensão posicional é de facto um sinal de grande força prática de um jogador. Mas com os anos esta capacidade também se torna embotada. Esta deve ser constantemente estimulada e modernizada; por outras palavras, um jogador deve trabalhar na arte do xadrez e em analisar.

Mas se dependes apenas de compreensão posicional não irás longe. Sem uma visão tática apurada não existe uma possibilidade de sucesso. Mas à medida que um jogador envelhece a sua capacidade de cálculo é marcadamente reduzida, e ele(a) tem de compensar por esta deficiência de alguma forma. Porque é que Botvinnik reteve por tanto tempo a sua fantástica capacidade de luta? Porque ele foi capaz de reconhecer este processo irreversível mais cedo do que outros e de se ´reprogramar´ a si mesmo. De que maneira? Da mesma maneira que eu estou agora a fazer.

Embora eu nunca ter sido colocado na categoria de ´calculadores de xadrez,´na minha juventude eu conseguia calcular uma enorme quantidade de variantes no tabuleiro. Eu costumava calculá-las com bastante rapidez e em grande profundidade. Hoje em dia eu consigo calcular em profundidade e bem, mas não durante cinco horas duma vez. Eu agora consigo ligar o meu ´aparelho de cálculo´ a toda a força apenas uma ou duas vezes durante uma partida. Por isso eu tento escolher as minha aberturas e construir o meu jogo de modo que não haja necessidade de analisar variantes lance após lance. Mas se num momento crítico essa necessidade surge repentinamente, eu sou capaz de lidar com isso não pior do que eu costumava.

SÃO PRECISOS DOIS JOGADORES PARA CRIAR UMA ABERTURA

O membro do Chess.com @Mr_Hollwedel perguntou: “Eu tenho uma pergunta especifica sobre uma coisa que ensinaste na tua aula dos Great Courses |aulas em vídeo| sobre um repertório básico de aberturas, especificamente sobre como jogar a abertura Zukertort de Brancas. Eu descubro que ocasionalmente (enquanto a jogar blitz, quero dizer) o meu oponente joga ...Bf5 antes que eu possa jogar Bd3. Onde é que eu devo colocar o meu bispo de casa-clara neste caso?

Silman: A Variante Zukertort Chigorin não oferece uma configuração de abertura fixa. As Pretas têm todo o tipo de maneiras de criar uma posição razoável. Por exemplo:

Quanto às Pretas colocarem o seu bispo de casa-clara em f5, isso é jogável; não o podes impedir. Portanto 1.d4 d5 2.Cf3 Bf5 e agora 3.c4 é provavelmente melhor mas as Brancas também podem jogar 3.g3 e 3.Bf4.

Depois de 1.d4 tu também tens de lidar com 1...f5 ou 1...g6 ou 1...d6 etc. Aberturas são infinitas! Mas aprender como colocar as tuas peças em casas úteis irá fácil e rapidamente melhorar a tua compreensão da abertura e da partida como um todo.

Aqui está um exemplo: Tu tens as Pretas e o teu oponente joga 1.e4. Tu respondes com 1...c5. Tu estás entusiasmado(a) porque estudaste a Dragão. O teu entusiasmo infelizmente desaparece quando as Brancas jogam 2.Cc3 seguido por 3.g3 (a Siciliana fechada). Lá se vai a preparação. Tu jogas outra partida e esta decorre: 1.e4 c5. Mais uma vez te entusiasmas. As Brancas jogam 2.c3. Argh!

São precisos dois para alcançar uma abertura específica. No entanto, isso não é um desastre. Desde que tu compreendas o que a tua abertura tenta alcançar, tu ficarás sempre bem.

Embora a tua pergunta tenha sido sobre aberturas, deixa-me dizer que a última coisa que deves estudar são as aberturas. Sim, tu podes (e deves) criar um repertório simples de aberturas. Mas a maior parte da tua energia xadrezista deve ser aplicada nas competências táticas e posicionais. Uma maneira divertida de fazer isso é encontrando um herói de xadrez (normalmente jogadores dos anos entre 1880 e 1930) e estudando as suas partidas. Um bom começo (para além de montes de treino tático) é o livro (na verdade dois livros juntos): My System & Chess Praxis: His Landmark Classics in One Edition por Nimzowitsch.

My System & Chess Praxis: His Landmark Classics in One Edition by Nimzowitsch.
My System & Chess Praxis: His Landmark Classics in One Edition por Nimzowitsch.

INTIMIDAR O TEU OPONENTE

O membro do Chess.com @cyboo tem uma pergunta “Eu acabei de jogar o meu primeiro torneio da FIDE, e as coisas não correram muito mal, mas eu estava a ler o teu livro de estratégia e havia um capítulo sobre a psicologia de xadrez. Podes falar-me mais sobre como INTIMIDAR os meus oponentes? Por exemplo... como criar tensão psicológica? Como os assustar? Como aparentar confiança? Talvez batendo no relógio com bastante força? Daria isso resultado para intimidar o meu oponente?"

Silman: Eu tenho presenciado muitos jogadores a tentar intimidar os seus oponentes. De ameaçar o início duma briga a um par de jogadores que se apunhalaram um ao outro com as suas canetas, ao empurrar um pedaço de papel debaixo da mesa e dizer ao "jogador intimidado" que ele apanha um soco se não desistir. E há ainda muito mais do que isso. No entanto, hoje em dia tais pessoas seriam jogadas num fosso cheio com 200 porquinhos da índia raivosos... problema resolvido.

Se queres aprender sobre a psicologia prática do xadrez tu deves procurar pelo meu livro, How to Reassess Your Chess 4th Edition. Este tem 658 páginas, e 92 páginas são dedicadas à psicologia de xadrez.

Alguns dos tópicos:

  • Ultrapassar o Medo
  • Abraçar a Tua Cobiça Interior
  • Desequilíbrios vs. Material
  • Colapso Mental/Superar a Armadilha de "Eu Não Consigo" e "Eu Devo"
  • Vergar-se ao Pânico
  • Avançar os Teus Próprios Interesses
  • Xadrez Machista
  • Esta é Minha Festa e Eu Movo o Que Quero
  • A Maldição de "Eu Não Consigo" 
  • Vários Estados de Consciência Xadrezista
  • Falta de Paciência
  • Lances Preguiçosos/Moles

Boa sorte!

CERTIFICA-TE QUE AS TUAS PEÇAS ESTÃO PROTEGIDAS!

O membro do Chess.com @cmboivin perguntou: “Porque é que Averbakh e Emanuel Lasker não mencionaram peças desprotegidas como alvos táticos?

Silman: Eu suponho que muitos grande mestres não se importavam (ou importam) muito com os principiantes. Eu ficaria chocado se Emanuel Lasker (que era um matemático fantástico e um amigo intímo de Albert Einstein) dissesse, "Não deixes peças desprotegidas!"

O mesmo pode ser dito sobre Averbakh e muitos outros jogadores profissionais. Averbakh adorava finais e esforçava-se muito a escrever sobre estes. Eu não o consigo imaginar a gritar a um estudante (que provavelmente seria um mestre forte), "Não deixes peças desprotegidas!"

Quanto a mim, os meus estudantes no intervalo de 1500 a 1900 ignoram constantemente as suas peças desprotegidas. Por isso, eu ralho com eles interminavelmente, com a esperança de que eles o façam um hábito por fim.

Eu penso que muitos professores e escritores de xadrez, independentemente da sua força como jogadores, cantam aos seus estudantes aquele refrão: "Não deixes peças desprotegidas!" Mas muitos grande mestres não ensinam, ou ensinam somente jogadores fortes. Por isso, tu não os vês a dançar o "Tango Não Deixes Peças Desprotegidas."


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