25 anos atrás: Kasparov-Topalov — A Pérola de Wijk aan Zee
De acordo com muitos (incluindo o GM Magnus Carlsen), o GM Garry Kasparov ainda é considerado o maior de todos os tempos (GOAT) no xadrez. Hoje, completam-se exatamente 25 anos desde que Kasparov jogou sua partida mais famosa e talvez a melhor de sua carreira, contra o GM Veselin Topalov em Wijk aan Zee. Aqui está a história.
Hotel Zeeduin
É quarta-feira, 20 de janeiro de 1999, o dia da quarta rodada do Torneio Hoogovens, como ainda era chamado. O inverno na Holanda está sendo rigoroso, e a pequena cidade costeira de Wijk aan Zee está vendo alguma neve este ano. Garry Kasparov e seu segundo, o GM Yuri Dokhoian, estão vestindo casacos de inverno grossos, chapéus de pele e botas de neve capazes de enfrentar as temperaturas ainda mais severas de Moscou, às quais estão acostumados. Os dois estão fazendo a caminhada de 500 metros em direção ao local do evento a partir do Hotel Zeeduin, onde o diretor do torneio, Jeroen van den Berg, os deixou alguns dias antes, após encontrá-los no aeroporto de Schiphol.
O proprietário do hotel, tão animado quanto todos na pequena vila com a primeira visita do lendário Kasparov, tinha oferecido seu melhor quarto com vista para o Mar do Norte. A reação surpreendente de Kasparov foi "de jeito nenhum". Ele percebeu imediatamente que o forte vento soprando em direção às janelas o manteria acordado durante a noite. Kasparov optou pelo quarto 208, um dos mais simples na lateral do hotel (e usaria o mesmo quarto nos dois anos seguintes).
Os dois russos chegam ao De Moriaan, o complexo esportivo local que serve como sede do torneio todos os anos, por volta das 13:30. Em vez de usar o vestiário geral reservado para os jogadores, eles entram no escritório do comitê do torneio e iniciam seu ritual diário, primeiro tirando seus casacos e chapéus. Dokhoian inclina-se um pouco para a frente e Kasparov usa seu ombro para manter o equilíbrio enquanto troca suas botas de neve por sapatos de couro. O campeão mundial pega sua barra de chocolate e caminha firmemente para o salão de jogos, onde aperta a mão de seu adversário, Veselin Topalov, da Bulgária. Começa uma partida de xadrez histórica.
A partida histórica
Kasparov inicia com o peão do rei; Topalov escolhe a defesa Pirc, um tanto arriscada. Ambos os jogadores fazem o roque grande, colocando seus reis em uma área segura no hemisfério ocidental do tabuleiro de xadrez, e não acontece muita coisa nos primeiros 23 lances. Mas então, com uma série de sacrifícios impressionantes, Kasparov pinta sua Mona Lisa naquele dia. Em uma partida que inclui três sacrifícios de torre, o rei de Topalov é forçado a percorrer todo o caminho em direção à primeira fileira, no lado do tabuleiro de Kasparov.
Os jornalistas, entre eles mestres e grandes mestres, estão analisando na sala de imprensa, mas não conseguem compreender totalmente o que está acontecendo. "Acho que o nível era simplesmente muito alto para eles", disse Van den Berg. Kasparov decide a partida com um golpe magnífico no lance 37, que ele havia visto com muita antecedência, mas que passou despercebido por seu oponente. "Até hoje lembro-me de como a expressão no rosto de Topalov mudou de repente", ele escreveria mais tarde.
Até hoje lembro-me de como a expressão no rosto de Topalov mudou de repente.
—Garry Kasparov
Quando Topalov abandona no lance 44, uma ovação entre os espectadores irrompe no salão de jogos. À medida que Kasparov entra na sala de imprensa para explicar sua partida aos jornalistas, mais aplausos espontâneos surgem, os quais Kasparov recebe com um sorriso radiante. Ele está orgulhoso como uma criança. "Todos, inclusive o próprio vencedor, perceberam que algo especial havia acontecido naquele dia", disse Van den Berg.
Os jornalistas apelidaram a partida de "A Pérola de Wijk aan Zee". Entre eles estava o grande mestre holandês Hans Ree, que escreveu: "Aqueles que tiveram a sorte de estar presentes nesta partida vão falar sobre ela para seus filhos e netos, e essas histórias continuarão enquanto o xadrez estiver vivo!"
Aqueles que tiveram a sorte de estar presentes nesta partida vão falar sobre ela para seus filhos e netos...
—Hans Ree
A partida foi o equivalente no xadrez ao "Gol do Século" de Diego Maradona, aquela incrível corrida em que ele ultrapassou cinco zagueiros e o goleiro durante a vitória da Argentina sobre a Inglaterra nas quartas de final da Copa do Mundo de 1986 — o momento mais bonito na carreira do jogador argentino.
Abaixo está uma análise extensiva da partida feita pelo GM Rafael Leitão, que por acaso estava a poucos metros de distância de onde tudo aconteceu naquele 20 de janeiro de 1999.
Esta é a melhor partida de xadrez já jogada. Peço desculpas àqueles que discordam, mas a distância para o segundo lugar é imensa. Nunca se reuniram tantos elementos de beleza: um sacrifício profundo e uma variante longa, cheia de lances inesperados, impossíveis de calcular do início ao fim; uma caçada implacável ao rei com temas de mate exóticos; diversos lances de rara beleza; uma análise tão bonita quanto a linha principal do jogo; e até mesmo uma pequena dose de imperfeição, mostrando que somos humanos — todos demasiado humanos, o que torna tudo ainda mais belo.
Tenho orgulho em dizer que estive lá, a apenas alguns metros do tabuleiro onde essa obra-prima foi jogada, e esta é uma das lembranças mais marcantes da minha carreira. A sensação de ver a história sendo escrita diante dos meus olhos é indescritível. Eu estava jogando no torneio "B" de Wijk aan Zee e, naquele dia, estava enfrentando o GM Mykhajlo Brodskyj, mas felizmente, minha partida terminou em um empate rápido. Todos na sala só tinham olhos para o que estava acontecendo no confronto entre Kasparov e Topalov.
Acredito que reler um bom livro ou reassistir ao seu filme favorito traz sentimentos ainda melhores do que da primeira vez. A mesma coisa acontece comigo toda vez que eu analiso esta partida, e eu já fiz isso muitas vezes desde aquela tarde em 1999. Como nas expressões artísticas mais profundas, sempre há um novo detalhe que passou despercebido anteriormente. Apesar de ser uma das partidas mais analisadas de todos os tempos, ainda consegui encontrar algumas ideias novas que espero que tragam a mesma satisfação ao leitor como trouxeram para mim.
Minhas anotações foram baseadas em duas fontes que precisam ser mencionadas imediatamente: a análise de Kasparov para seu livro Garry Kasparov Sobre Garry Kasparov — Parte III, publicado em 2014, e os excelentes comentários do GM Erwin l'Ami para o livro "King's, Queen's & Rookies", publicado em 2023.
Perspectiva de Topalov
Quando falei com Topalov para o livro "Kings, Queens & Rookies" (que celebrou 85 anos de história de torneios em Wijk aan Zee), decidi perguntar a ele sobre esta partida. Pensei que, embora o foco sempre tenha sido no vencedor (e com razão), são necessários dois para dançar tango, e senti que a perspectiva do grande mestre búlgaro seria interessante também.
Como se constatou, Topalov havia jogado a Defesa Pirc apenas duas vezes antes em sua carreira. "Eu fui muito ingênuo", disse ele, relembrando sua escolha de abertura. "Eu nunca havia perdido quando jogava 1...e5 contra ele, mas eu estava ambicioso."
Sobre a longa e profunda combinação de Kasparov, Topalov retirou um pouco da magia ao observar: "Garry disse que havia visto toda a linha, mas eu não acredito que seja verdade. Mas, em algum momento, simplesmente se tornou forçado. Eu não acho que ele tinha visto a posição final."
Garry disse que havia visto toda a linha, mas eu não acredito que seja verdade. Mas, em algum momento, simplesmente se tornou forçado. Eu não acho que ele tinha visto a posição final.
—Veselin Topalov
Tudo poderia ter sido diferente. O sacrifício de torre das Brancas no lance 24 foi um "lance forçado", de acordo com Topalov: "Caso contrário, as Brancas estariam em uma posição pior." Ele capturou a torre, mas isso não foi forçado: "Eu tinha o lance simples 24...Rb6, simplesmente ignorando. Eu escolhi essa linha porque percebi que a posição estava um pouco estranha; novamente, fui um pouco ingênuo porque não era muito prático. Eu mostro essa linha quando ensino aos alunos como um exemplo de uma má escolha prática. Faz sentido aceitar o sacrifício de torre apenas se você estiver ganho. O que eu fiz foi suicídio."
Topalov disse que não se arrepende porque "não foi uma partida importante". Mas é claro que, na época, Kasparov estava extremamente feliz e rapidamente percebeu que, 25 anos depois, ainda estaríamos falando sobre essa partida. Topalov: "No dia seguinte, eu venci Loek van Wely rapidamente, e quando Loek abandonou, Garry veio até mim e conversamos. Ele mencionou 24...Rb6 e disse: "Se você tivesse jogado esse lance, a partida nunca teria entrado nos livros de história!"