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Uma boa história de Xadrez: “-É a Sua Vez, Húngaro”
(Reader’s Digest image)

Uma boa história de Xadrez: “-É a Sua Vez, Húngaro”

diskeleven
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Esses dias meus filhos pequenos contaram-me que eles haviam explorado, junto de seus amigos, uma casa do nosso condomínio cujos donos haviam se mudado. Como todas as crianças fazem, a diversão era verificar se realmente haviam fantasmas nas casas abandonadas e pregar sustos nos menores.
Eu contei a eles que eu também aprontava dessas na minha infância e que foi numa dessas incursões que eu encontrei uma revista velha que continha uma história com o jogo de Xadrez como coadjuvante.
Eu não imaginava que a leitura dessa história em meados de 1970 iria me levar a jogar Xadrez por quase toda minha vida e ainda me tornar Mestre Internacional de Xadrez décadas depois.
Acredito que a história é bem escrita ainda que na época eu não havia entendido seu final nem seu propósito. A imagem das peças e do jogo foi o que me encantou e me motivou a aprender a jogar xadrez logo depois.

É estranho que eu tinha me lembrado disso tanto tempo depois. Afinal, talvez realmente houvessem fantasmas há muito tempo esquecidos no lar das memórias.

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Abaixo publicarei uma tradução feita por mim mesmo do original para o português.
Os que desejarem ler a versão em inglês ou escutarem um podcast em inglês, que narra essa curta história, podem procurar os links no final do artigo.

autor> Ferenc Laszlo
from Reader's Digest, April 1956

Reasder's Digest- April/May 1956

Eu estava tentando reprimir ao máximo minha ansiedade naquela manhã de setembro de 1946, enquanto estava na sombria estação ferroviária Keleti em Budapeste, na Hungria. O pânico, eu sabia, poderia destruir minhas esperanças. Eu estava esperando fervorosamente que o nome de Oscar Zinner fosse chamado - embora eu soubesse que isso poderia significar minha perdição.


Dez dias atrás, eu nunca tinha ouvido falar em Oscar Zinner. Foi quando um velho amigo, que tinha informações sobre a evacuação de austríacos que viviam em Budapeste, veio me ver, em segredo. "Um homem na lista de reassentamento", disse ele, não respondeu às cartas que o informavam sobre o último trem que levaria refugiados austríacos de volta para Viena. Ele pode até estar morto. Este homem é um pintor de retratos chamado Oscar Zinner. Você se importaria de se arriscar a tentar a viagem para a liberdade sob o nome dele?
Será? Era imperativo que eu fugisse do meu país o mais rápido possível. Durante a ocupação nazista, e mais tarde sendo relutante ao regime comunista da Hungria, eu tinha sido um espião dos Aliados em Budapeste. Mas recentemente o cerco soviética se fechou e vários de meus colegas mais próximos foram capturados e eu me escondi.


Ao mudar minha identidade de Ferenc Laszlo para Oscar Zinner, nenhum passaporte meu estaria envolvido porque os russos haviam saqueado e queimado todos os documentos em praticamente todas as casas de Budapeste.
Meu amigo espalhou páginas datilografadas com os dados biográficos de Zinner diante de mim. ” -Você agora é o pintor, Oscar Zinner, -disse ele. -Sente-se e aprenda tudo sobre ele. Você deve se tornar Zinner: em cada pensamento, em cada ação. “
Ele sacudiu os papéis. "Os guardas da fronteira comunista terão uma cópia disso. Eu não preciso dizer o quanto eles verificam. Outra cópia ficará com o supervisor do seu grupo. Ele não conhece Zinner. Mas quando o nome for chamado na estação, espere antes de responder.

Keleti Train Station, Budapest.
Picture USA Holocaust Museum

Esperar? -perguntei.
-Há uma chance de que Zinner apareça no último minuto -explicou ele.- Se dois de vocês responderem, será um desastre para aquele que não é Zinner.


Nos dias seguintes, estudei a história de vida de Oscar Zinner. Eu poderia descrever a casa onde ele nasceu em Graz, na Áustria. Eu conhecia sua formação educacional, seus hábitos, seus gostos e desgostos, até mesmo seu estilo de pintura. Eu podia me lembrar do que os críticos disseram de suas pinturas, os preços que suas pinturas valiam e quem as comprou.


Finalmente, tarde da noite antes de minha partida programada, cruzei a ponte Franz Josef e deixei as notas biográficas incriminatórias, rasgadas em pedaços minúsculos, esvoaçarem no rio Danúbio.
Um estalo repentino e agudo - do alto-falante da estação ferroviária - me trouxe de volta ao presente. Uma voz rouca começou a chamar uma lista de nomes, em ordem alfabética.
Meu estômago estava embrulhado. Por que meu novo nome teve que começar com a última letra do alfabeto?


Finalmente, a voz gritou: ‘Zinner - Oscar Zinner!’
Eu queria gritar. Mas, em vez disso, esperei, meu coração batendo forte, meus ouvidos aguçados, minha mente rezando para que não houvesse resposta.
-Zinner! -A voz chamou novamente, desta vez com irritação.


Eu dei um passo à frente. "Aqui”, eu disse timidamente. Não houve nenhum desafio se eu era o verdadeiro Zinner.
Fomos separados em grupos de dez e colocados em compartimentos no trem. Repetidamente, eu repetia a história em minha cabeça. “-Eu sou um pintor de retratos. Eu nasci em Graz. Meu pai era arquiteto ... “

College Park Photo

Um apito estridente vindo da plataforma da estação sinalizou para o trem partir. Ele não se moveu. De repente, altas vozes em russo puderam ser ouvidas no final do nosso vagão. Quatro oficiais soviéticos passaram marchando pela porta do nosso compartimento. Eles pararam no próximo compartimento e eu os ouvi ordenar aos ocupantes que saíssem para o corredor. Eles então se assentaram e logo ouvi muitas risadas e tilintar de copos. O apito soou novamente, e desta vez o trem deu um solavanco de movimento.


À medida que ganhamos velocidade, me perguntei quando veria meu país novamente. Também reconheci, porém, que a tristeza era inadequada agora: eu era Oscar Zinner, voltando para casa em Viena.
O trem parou em Kelenföld. Este era o ponto de verificação número um. Não tivemos que esperar muito até que o oficial de inspeção soviético e seu intérprete chegassem. No corredor, soldados russos fortemente armados, acompanhando-os, observavam impassivelmente os procedimentos.
O oficial soviético, um homenzinho com cara de gelo, começou com a mulher do outro lado. Remexendo nas frágeis folhas biográficas, ele gritou perguntas em russo, que o intérprete traduziu para o alemão. Ele se aproximou do homem sentado ao lado da janela, do meu lado do compartimento. Comecei a ensaiar, mais uma vez, o que deveria dizer: ‘Sou um pintor. Nasci em Graz, Áustria. Meu nome é ... Meu nome é ... '


O suor brotou na minha testa e meu coração foi parar na garganta. Um estranho bloqueio mental, causado sem dúvida pela tensão nervosa e pelo pânico reprimido, permitiu-me lembrar de tudo sobre o homem que eu fingia ser - exceto o nome.
Como se através de uma névoa distante, ouvi as vozes agudas do inspetor e seu intérprete enquanto eles se moviam para a mulher ao meu lado.
'Por favor, Deus,' eu orei, 'qual é o meu nome? Eu sou um pintor de retratos. Meu nome é ... 'Não adiantava. O nome não vinha.
Só então ouvi a porta do próximo compartimento se abrir. Houve uma breve agitação de conversa no corredor, então um coronel do Exército Vermelho enfiou a cabeça em nosso compartimento.

‘Wer spielt Schach?’ (‘Alguém sabe jogar Xadrez?’) ele perguntou.

(imagem ebay)

Nosso oficial de inspeção se virou e encarou a interrupção, então recuou respeitosamente sob o olhar de seu superior militar. Como eu estava mais perto da porta, a próxima pergunta do coronel parecia ser dirigida a mim.
‘Spielen Sie Schach?’ ele perguntou.
Eu não jogava xadrez há dez anos, mas não importava. Esta poderia ser apenas a chance que eu precisava. Ninguém mais no compartimento falou.
‘Ja. Ich spiele Schach,’ eu disse.


O coronel gesticulou para que eu o seguisse.
No compartimento dos russos estavam dois outros coronéis e um general muito conhecido, um gigante gordo, mas ainda poderoso, de cinquenta e poucos anos. Evidentemente, era ele quem queria uma partida de xadrez, pois fez um gesto para que me sentasse à sua frente.
Ao meu lado havia dezenas de sanduíches e uma caixa de doces. Na mesinha sob a janela havia copos, vodka, conhaque húngaro e vinho. O general me lançou um olhar avaliativo, depois apontou para a comida e a vodka. ‘Davai’, (‘-Manda ver!’) ele rosnou em russo.
Eu comi em um suspense torturado. A qualquer momento um dos russos pode me perguntar meu nome ou - pior - o inspetor pode interferir.
Quando o trem partiu, o general pegou um tabuleiro de xadrez e começou a organizar as peças.


-Deus me ajude _ pensei. ‘Este é o jogo da minha vida. Devo caprichar, mas não posso me dar ao luxo de vencer. "Nunca conheci um russo que não odiasse perder, ou um jogador de xadrez que gostasse de jogar por muito tempo, a menos que seu oponente pudesse tornar a partida interessante.
Enquanto jogávamos, alguns dos truques do jogo voltaram lentamente para mim. Os outros oficiais assistiram ao jogo em silêncio, aparentemente acreditando que o general era um mago nisso. Na verdade, ele era um jogador muito bom, mas consegui fazê-lo suar por todas as vantagens que obteve.


O tempo passou voando, como em todos os campos de batalha tensos do xadrez, e com um sobressalto percebi que o trem estava diminuindo a velocidade em Györ, nosso posto de controle número dois. Minha mente começou a disparar. Agora a porta do compartimento se abriu e o supervisor do grupo austríaco entrou. "Este homem ainda não foi interrogado", disse ele com firmeza.
Eu não precisava ter me preocupado. O general se levantou, espalhou sua enorme pata de urso contra o peito do homem e o expulsou para o corredor. Então ele bateu a porta e apontou para o tabuleiro de xadrez.

‘Davai Magyar,’ (É a sua vez, Húngaro,’) ele rugiu.


Húngaro? Eu estava vindo da Hungria, é claro, mas seu lapso no linguajar - se foi isso - fez meu couro cabeludo arrepiar.
Quando terminamos o primeiro jogo, do qual o general saiu vencedor, ele disse algo ao oficial que falava alemão. "O general gosta do seu estilo", interpretou o último. - Ele vai jogar outra partida com você.
Antes de recomeçarmos, porém, o general insistiu que bebêssemos.
Imprudente com a calorosa onda de confiança que vinha da vodka, passei do ponto nesse jogo; e de repente me encontrei à beira da vitória. Estávamos nos últimos movimentos cruciais enquanto o trem diminuía a velocidade para Hegyeshalom, nosso último posto de controle. Aqui, eu ganharia ou perderia - não apenas um jogo, mas tudo pelo que vivi.

(Google Maps)

Desta vez, dezenas de soldados vermelhos, rifles pendurados nos ombros e granadas penduradas no cinto, lideraram a procissão de intérpretes e guardas de segurança. Eles simplesmente deram uma olhada em nosso compartimento e então seguiram para o próximo. Lá, o pequeno líder do grupo irritado deve ter contado a eles sobre o "austríaco" que estava sentado com os oficiais, pois um dos guardas voltou para investigar. Ele entrou rapidamente pela porta, fez uma saudação e falou rapidamente em russo - ao mesmo tempo apontando para mim.
Mais uma vez, meu cérebro congelou de medo. Certamente o general iria deixar que me questionassem desta vez, nem que fosse para evitar mais interrupções. -Sou um pintor de retratos e meu nome é ... _ comecei a dizer para mim mesmo, desesperadamente. Ainda não conseguia lembrar o nome.


Enquanto o guarda falava, o rosto do general lentamente ficou roxo. Eu não tinha ideia do que o guarda estava dizendo a ele, mas o deixou tão bravo quanto qualquer homem que eu já vi. Ele olhou para mim com os olhos brilhando. Em seguida, colocou cuidadosamente o tabuleiro de xadrez na mesa embaixo da janela e se levantou.


‘Este é o fim para mim’, pensei. ‘Chegar tão perto ...’
O general cruzou o braço diante do corpo, como um homem faria para desembainhar uma espada. Ele então o ergueu em um arco amplo e as costas de sua mão acertaram a boca do guarda. O homem cambaleou para trás e atingiu a parede do corredor.
O general bateu a porta com tanta força que sacudiu nossa janela. Então ele voltou para seu assento, murmurando algo ofegantemente. Ele pegou o tabuleiro de xadrez e voltou a pensar na partida.

(Reader’s Digest image)

É a sua vez, Húngaro,’ ele disse.

Meu coração explodiu de alívio. Ninguém se atreveria a entrar de novo - disso eu tinha certeza. À medida que o trem ganhava velocidade, a liberação da terrível tensão me inundou, de modo que, pela primeira vez, sorri. O general ergueu os olhos do tabuleiro e sorriu de volta. Ele falou com o jovem oficial, que me disse: ‘O general pergunta se você gostaria de enfrentá-lo algum dia em Viena. Onde ele pode entrar em contato com você? '
Sem piscar, mencionei um conhecido hotel de Viena.
-E seu nome? _ Cutucou o jovem oficial.


Agora, sem o terror terrível e contundente, hesitei, mas apenas por um breve momento. Como eu poderia ter esquecido essas duas palavras simples?
'Meu nome', eu disse, 'é Oscar Zinner.'

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Essa história pode ser ouvida em inglês no link a seguir>

Youtube

https://www.youtube.com/watch?v=lnZ7MUbA-0s

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