Xadrez através dos séculos: A origem e primeiros jogadores de destaque
Texto escrito por @coleskovicz.
Quem está começando a jogar xadrez agora pode estar acostumado com o mundo do blitz online, vídeos no YouTube, engines e streamers transmitindo seus jogos ao vivo. Porém, o xadrez é um jogo milenar com muita história—de fato, é um dos jogos de tabuleiro mais antigos ainda jogados no mundo todo.
Este artigo conta um pouco da história do jogo e como ele evoluiu até chegar onde estamos hoje.
Onde surgiu o jogo de xadrez?
Muitos contam lendas e histórias acerca da origem do jogo de xadrez—inclusive o matemático brasileiro Malba Tahan, em seu livro "O Homem que Calculava", sendo esta uma versão romantizada de um conto indiano. Também há historiadores e aficionados que atribuem a origem a períodos mais distantes, como a época do macedônico Alexandre, o Grande. A História nos permite aferir alguns detalhes com segurança—e alguns outros são bem controversos e incertos, como por exemplo o local de origem em si.
A teoria mais aceita é de que o xadrez surgiu por volta do século VI, na Índia, adaptado de um jogo chamado “chaturanga”—uma palavra de origem no sânscrito, que significa algo similar a “os quatro elementos do exército”. Com efeito, o exército indiano era composto por bigas (equivalentes hoje à torre), cavalaria, elefantes (que foram transformados numa peça mais poderosa, os bispos) e a infantaria, além do general (hoje a dama, também mais poderosa) e o rei.
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Existem muitos jogos considerados no ocidente como variantes do xadrez: Chartrang (Pérsia), Janggi (Coreia), Shogi (Japão), Xiangqi (China), Makruk (Tailândia), além de outros, e é difícil precisar seus lugares na história (ou quem foi predecessor de quem). Os jogos possuem mais similaridades do que diferenças. A expansão do xadrez na Ásia e na Rússia, por exemplo, provavelmente deriva do Chartrang. Evidências mostram que já no século IX existiam partidas, ainda arcaicas, disputadas na Rússia.
A história da expansão do xadrez é ainda mais rica. Difundido no mundo árabe, a religião se dividia a respeito da legalidade do jogo, e também no século IX foi aceito na região com algumas regras (como não haver apostas). Então, grandes monarcas, os califas, até mesmo financiavam jogadores e peritos, e nesse período temos até mesmo a primeira menção do xadrez às cegas.
Quando o xadrez se tornou popular?
A popularização no ocidente começou mesmo perto do século XI, com a conquista da Espanha. Apesar de sua difusão, o jogo ainda sofria imposições religiosas, e só foi “aceito” (ou “desproibido”) próximo ao século XV, período em que, provavelmente, o jogo chegou ao Brasil através dos navios portugueses. Eventualmente, as regras do Chartrang ou do Chaturanga foram substituídas pelas regras europeias.
E nessa mesma época já temos alguns jogadores que se destacaram, especialmente por sua análise de aberturas. Por exemplo, uma das linhas de abertura mais jogadas hoje em dia, a Ruy Lopez ou abertura espanhola, tem origem nesse período.
Ruy Lopez de Segura era um clérigo espanhol que, apesar de provavelmente não ser o verdadeiro criador da linha, escreveu um dos primeiros, se não o primeiro, livros de teoria do enxadrismo, se debruçando nesta abertura. Com 150 páginas e chamado “Livro da Invenção Liberal e Arte do Jogo de Xadrez” (tradução livre), o estudo foi publicado em 1561, mas menções à abertura espanhola datam de 1490, no Manuscrito de Göttingen.
Inclusive, este notável jogador é considerado por alguns como o primeiro campeão mundial, ainda que, claro, não oficialmente. Ele era uma pessoa de destaque na sociedade da época, favorito do rei, e viajou o mundo varrendo os oponentes, sendo finalmente derrotado apenas em 1575. Nota importante: para efeitos técnicos mais acurados, o primeiro campeão mundial oficial apareceu muito depois, no século XIX: Wilhelm Steinitz. Falaremos dele mais profundamente nos próximos artigos.
Nessa época, a teoria do xadrez era tão defasada que Ruy Lopez dizia que uma das principais estratégias era jogar com o sol batendo nos olhos do seu oponente. Loucura, né?
A internacionalização e popularização do xadrez no ocidente tiveram muito a ver com a adoção de duas peças que representam o modelo da época: a dama (em muitos idiomas chamado de "rainha") e o bispo. A ideia é de que o jogo representa, em alguma escala, as peças-chave da sociedade feudal. Com os contatos dessa cultura europeia com outras, como árabe e otomana, tivemos uma unificação gradual nas regras até chegarmos ao xadrez que temos hoje, que já tem mais de quinhentos anos de existência.
Quando surgiu o en passant?
O xadrez não era um jogo oficialmente competitivo, mas era necessário acrescentar dinamismo e dificuldade ao jogo. Entre os anos 1200 e 1500 atribui-se a criação da regra do en passant (de passagem, quinta para sexta, dentre outros nomes não oficiais), simultaneamente à adição da regra de que os peões podem andar duas casas em seu primeiro movimento.
Como vimos no GIF acima, o conceito do en passant é que caso um peão se mova duas casas em um lance, no próximo lance um peão adjacente poderá capturá-lo como se ele tivesse andado apenas uma casa. O “dinamismo” mencionado vem da noção de que você não pode “fugir” de um peão ao avançar duas casas. Na mesma época, a regra do afogamento foi adotada, já que os resultados de uma situação onde um jogador não tem lances válidos e não está em xeque mudava de acordo com o local.
Estas regras foram oficializadas na adoção do xadrez como um esporte “de verdade”—a criação de um manual com regras oficiais. Isso aconteceu em 1880, o que deu margem para a existência de torneios lineares, eventualmente desencadeando na criação de entidades regulatórias (FIDE, por exemplo), olimpíada, e mais.
Portanto, todo o xadrez europeu já era influenciado pelos dois conceitos considerados “as últimas mudanças do jogo de xadrez”, da época de Ruy Lopez, e aqui no Brasil nunca jogamos sem essas três regras.
Mas tudo isso ainda está longe de ser considerado a modernização do xadrez, que veremos em um artigo futuro.